Carta: Os países de ingressos médios também necessitam a ajuda do FMI

O conselho editorial mostrou seu acerto dando seu respaldo a uma nova emissão de direitos especiais de giro (“Os países mais pobres necessitam maior assistência mundial”, FT View, 2 de março). No entanto, o texto não esclarecia quais deveriam ser os potenciais beneficiários de tal medida.

Coluna originalmente escrita para o jornal Financial Times, 05/03/2021

O conselho editorial mostrou seu acerto dando seu respaldo a uma nova emissão de direitos especiais de giro (“Os países mais pobres necessitam maior assistência mundial”, FT View, 2 de março). No entanto, o texto não esclarecia quais deveriam ser os potenciais beneficiários de tal medida.

Os DEG, o equivalente do FMI às reservas dos bancos centrais, representam um apoio decisivo para o mundo em desenvolvimento para a eliminação de algumas das brechas financeiras às quais se enfrenta, especialmente em relação com os pacotes de recuperação pós Covid. Isto é importante já que, ao contrário do que sucedeu com a crise financeira, as regiões emergentes levaram a pior parte dos danos socioeconômicos causados pela presente pandemia.

Contudo, estas “brechas” não se limitam só aos países mais pobres. Cada vez mais afetam também as denominadas economias de ingressos médios, onde vivem cerca de dois terços das pessoas pobres do mundo.

A América Latina, minha região natal, onde só uma pequena minoria de países se enquadram dentro da categoria de países pobres de ingressos baixos, sofreu no ano passado a pior recessão a nível mundial e tem algumas das piores perspectivas regionais a médio prazo.

Estas regiões, que também incluem Índia, Ásia, Oriente Médio e África do Norte, são consideradas ricas demais para receber ajuda internacional, apesar de serem pobres demais para sair desta crise por seus próprios meios.

Tal e como acertadamente destaca seu editorial, no caso de se produzir uma nova emissão de DEG, a maioria iriam destinados a economias desenvolvidas que não precisam deles, o que assinala a necessidade de desenvolver melhores instrumentos de reassignação para os DEG não utilizados.

É importante que os mencionados instrumentos também incluam os países de ingressos médios, já que o outro único veículo atualmente implantado (a estratégia do “Fundo Fiduciário para o Crescimento e a Luta contra a Pobreza” criada pelo FMI) só está dirigido aos países de ingressos baixos.

Em crises passadas fomos testemunhas de exemplos de incrível inovação multilateral. Esta não deveria ser diferente. Os DEG podem ser um componente integral de um novo e mais justo ecossistema financeiro para as regiões emergentes, já sejam de ingressos médios ou baixos.

Neste sentido, é importante esclarecer que a pobreza não está só circunscrita aos países mais pobres, tendo sido desejável que seu editorial tivesse incluído tal apreciação.

 

Rebeca Grynspan

Secretária-Geral Ibero-americana, membro do Painel Independente de Alto Nível do G20 sobre o Financiamento de Recursos Mundiais para a Preparação e Resposta perante Pandemias, ex Secretária Geral Adjunta das Nações Unidas e ex Vice presidenta da Costa Rica.

 

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