Coluna originalmente escrita para o jornal El País, 21/02/2021
Desde o início da pandemia da COVID-19, não me cansei de dizer nos foros internacionais que a única forma de sair da atual crise é uma vacina de acesso universal.
Em uma carta aberta que assinei junto a mais de 140 líderes mundiais, instamos todos os governos a que se unam para conseguir o que chamamos “The people’s Vaccine” (“Os vacina de todos”), uma imunização que seja distribuída equitativamente e seja colocada à disposição de todas as pessoas, em todos os países, de forma gratuita.
Recentemente houve um sinal positivo com o anúncio do presidente Joe Biden de que Estados Unidos se uniria à plataforma COVAX, na qual participam 189 países. Esta iniciativa respaldada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Aliança Mundial pelas Vacinas e a Imunização (GAVI), busca distribuir vacinas a nações de baixos e médios ingressos e se espera que, neste ano, entregue 2.000 milhões de doses.
Não obstante, devemos fazer muito mais para nos assegurarmos de que todos recebam imunizações contra a COVID-19 o mais rápido possível. Como afirmamos em um artigo que publicamos no Newsweek junto a Mariana Mazzucato, professora de Economia da Inovação e Valor Público do University College de Londres, temos de impulsionar uma ação global para que a necessidade e a urgência tenham prioridade por cima dos interesses comerciais e nacionais.
Segundo a plataforma de informação para o desenvolvimento global DEVEX, os governos destinaram fundos públicos pela astronômica soma de US$ 37.700 milhões à pesquisa, ao desenvolvimento, à distribuição e à aplicação de vacinas como as da AstraZeneca/Universidade de Oxford, Johnson&Johnson/BiologicalE, Pfizer/BioNTech, GlaxoSmithKline/Sanofi Pasteur, Novavax/Instituto Serum da Índia e Moderna/Lonza, enquanto o setor privado investiu um quarto desse montante: US$ 9.500 milhões.
Ainda assim, não foram publicados os acordos de licenças com os países e há oposição à proposta perante a Organização Mundial do Comércio (OMC), apresentada pela Índia e pela África do Sul, a fim de eximir as imunizações contra a COVID-19 dos direitos de propriedade intelectual enquanto durar a pandemia.
Esta salvaguarda da OMC já foi ativada no caso do VIH/Aids, graças a uma campanha internacional para colocar à disposição tratamentos genéricos que pudessem ser fabricados por mais nações a menor custo. A ideia conta com o apoio de uns 100 Estados membros, mas é tem resistência por parte de vários países que albergam grandes farmacêuticas.
Enquanto esta iniciativa demora, vimos como as vacinas mais promissoras contra a COVID-19 encontraram importantes funis na produção, no abastecimento de subministros, dificuldades no cumprimento de contratos e um acesso desigual dos países.
Por exemplo, toda a produção de Moderna e mais de 96% da produção da Pfizer/BionNTech foi comprada por países desenvolvidos, enquanto o subministro da vacina da AstraZeneca/Universidade de Oxford focou, principalmente na Europa.
Segundo estimações da GAVI, os países desenvolvidos adquiriram suficientes doses das principais vacinas para imunizar os seus cidadãos por três vezes, enquanto as nações mais pobres podem se considerar afortunadas se conseguem administrar uma dose por cada dez habitantes durante 2021.
Perante este panorama, há de se mencionar dois feitos positivos: a produção da vacina da AstraZeneca/Universidade de Oxford na América Latina, graças a um acordo que promovido pela Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC) entre o México e a Argentina com a Fundação Slim, e a recente decisão do Conselho de Ministros da Espanha de distribuir a países de menores recursos os excedentes de imunizações que não forem necessárias em solo espanhol.
O índice de mortalidade por Coronavírus não deu trégua nem nos Estados Unidos, nem na Europa, nem no mundo em desenvolvimento. A América Latina, um dos epicentros da pandemia, concentra hoje 30% dos falecidos do planeta apesar de representar apenas 8% de sua população.
Se não atuarmos com premura, superando os nacionalismos e o afã de lucro per se, o problema sanitário que enfrentamos hoje, não só se amplificará, senão também seu impacto socioeconômico.
A vacina de acesso universal é apenas o começo de um trabalho de recuperação que será longo e complexo. Sem ela enfrentamo-nos a graves consequências e a um grande sofrimento humano.
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