Na última quarta-feira, tive a oportunidade de participar do painel inaugural do “Digital Summit LATAM 2025“, ocasião em que apresentei os três pilares a partir dos quais a Comunidade Ibero-Americana e a SEGIB estão abordando a transição digital, a saber:
- Garantir direitos. Por um lado, trata-se de garantir que os direitos fundamentais assegurados em nossa vida offline continuem protegidos online (liberdade de expressão, não discriminação, vida privada, etc.). Por outro lado, trata-se também de proteger as pessoas diante de situações próprias da vida online (anonimato, neutralidade da rede, direito ao esquecimento, etc.).
Um dos direitos mais importantes dessa segunda categoria é o direito à inclusão digital, que exige que todas as pessoas possam acessar, em iguais condições, a internet, as tecnologias digitais e as habilidades necessárias para participar no mundo digital. Trata-se de avançar em uma transformação digital que não deixe ninguém para trás.
Nesse sentido, existem três aspectos-chave para garantir a inclusão digital: acessibilidade material (disponibilidade da infraestrutura necessária); acessibilidade econômica (para que os custos dos serviços públicos de conexão não sejam uma barreira para determinados grupos); e acessibilidade cultural (para que todos tenham conhecimento sobre o uso seguro e eficiente da tecnologia, ou seja, alfabetização digital).
- Assegurar a concorrência. Trata-se de garantir o desenvolvimento e a implementação de uma regulamentação que assegure o bom funcionamento do mercado de bens e serviços digitais. Para isso, deve existir uma institucionalidade sólida, liderada por autoridades com competências regulatórias e fiscalizadoras adequadas, com capacidade técnica para gerar um marco normativo estável, especializado e flexível, que assegure uma concorrência justa, evitando distorções de mercado, como práticas monopolistas, abuso de posição dominante e captura dos próprios reguladores/legisladores. Essa autoridade também deve contar com independência e respaldo político suficientes para enfrentar as pressões das grandes transnacionais tecnológicas, que possuem recursos significativos para fazer lobby em favor de seus interesses.
- Impulsionar a competitividade. Uma regulamentação adequada é fundamental para impulsionar a competitividade das empresas regionais. Na Ibero-América, há uma demanda significativa nesse sentido. As próprias empresas têm expressado a necessidade de uma certa homogeneidade regulatória entre os diferentes países da região, de modo que possam atuar sabendo que não haverá tantas formas distintas de medição quanto países na região, o que aumentaria seus custos de compliance e de transação em geral.
O desafio consiste em encontrar um equilíbrio justo entre a regulamentação necessária para proteger as pessoas, garantir o bom funcionamento dos mercados e impulsionar a competitividade empresarial, sem sufocar o empreendedorismo, a inovação e o crescimento econômico. Sem dúvida, é uma tarefa complexa, na qual seria prudente observar atentamente as conclusões extraídas do relatório sobre a competitividade da UE elaborado por Mario Draghi, que identifica cinco barreiras regulatórias:
- Procedimentos custosos e complexos para patentear novas ideias.
- Excesso de regulamentação.
- Múltiplas normativas nacionais que vão além dos padrões europeus.
- Limitações no armazenamento e processamento de dados.
- Regras nacionais distintas para a contratação pública.
Devemos reconhecer que, ao implementar medidas para superar esses obstáculos, existe uma importante assimetria entre a Europa e a América Latina. A UE possui instituições consolidadas, capazes de gerar marcos regulatórios supranacionais, enquanto a América Latina, por outro lado, carece dessa capacidade. Como consequência, sua regulamentação tende, em termos gerais, à fragmentação, dificultando a harmonização normativa.
Nossa região, no entanto, tem a seu favor o fato de contar com uma cultura jurídica comum sobre a qual pode construir seus marcos regulatórios. Essa cultura jurídica compartilhada foi o que permitiu a redação e aprovação da Carta Ibero-Americana de Princípios e Direitos nos Ambientes Digitais (CIPDED) na Cúpula Ibero-Americana de Chefes e Chefas de Estado de Santo Domingo (2023).
O objetivo desse instrumento é estabelecer princípios comuns para que sejam considerados pelos Estados ao adotar ou ajustar suas respectivas legislações nacionais ou ao implementar políticas públicas, colocando as pessoas no centro da transformação digital.
Desde a SEGIB, estamos trabalhando na implementação desta Carta por meio da priorização de quatro áreas temáticas: conectividade e inclusão; governo digital; economia digital e tecnologias emergentes; e privacidade, confiança, segurança de dados e cibersegurança.
A Comunidade Ibero-Americana está avançando na geração de conhecimento (relatórios de situação, propostas de políticas públicas, elaboração de padrões regionais); na capacitação (em breve será lançado, em parceria com o Organismo Internacional de Juventude para Ibero-América, um programa de 6.000 bolsas em competências digitais para jovens da região); no fortalecimento de instrumentos de cooperação (por exemplo, foi recentemente aberta uma convocatória de projetos para programas e redes da cooperação ibero-americana); e na difusão e intercâmbio de experiências (como o ciclo de diálogos Horizonte Ibero-América Digital). Além disso, foi criado um repositório que reúne todas as normas dos países ibero-americanos relacionadas à transformação digital, tornando-se hoje a base de dados oficial mais ampla e atualizada da Ibero-América.
Na SEGIB, sabemos que o futuro da Ibero-América será digital, mas é fundamental que também seja competitivo, inclusivo e centrado nas pessoas.
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