Coluna originalmente escrita para o jornal El País, 10/06/2020
A pandemia do Coronavírus está tendo um profundo impacto na América Latina, com um custo humano impressionante. Estamos perante uma tripla crise sistêmica –sanitária, econômica e social— que representa a maior ameaça que os nossos países enfrentaram, desde faz quase um século.
A América Latina sofre já, a morte de mais de 65.000 habitantes e a ameaça de um aumento da pobreza de 30 milhões de pessoas, da insegurança alimentar em mais de 5 milhões de famílias e a perda de 12 milhões de empregos. Um panorama extremadamente preocupante.
Dizem que o vírus não discrimina, mas isto é verdade só em parte porque a Covid-19 não afeta todas as pessoas, nem todos os países por igual. A realidade é que esta crise aprofunda as desigualdades estruturais da América Latina e que, se bem todos os países do mundo têm a mesma capacidade de ficar doentes, não todos têm a mesma capacidade de se curar do imenso impacto que a pandemia terá em nossos sistemas sociais e econômicos.
Nos, mal chamados, países “de renda média” há menos pessoal médico per capita, sistemas de proteção social mais fracos, maiores porcentagens de trabalhadores informais (quase 50% da força laboral na América Latina), muito mais população em pobreza e em risco de cair nela, e maior fragilidade das nossas micro e pequenas empresas.
Principalmente, há menos capacidade de implementar pacotes econômicos de contingência de grande magnitude, tanto por contar com menos espaço fiscal, como pelas limitações de nossos Bancos Centrais para representar um papel ativo nos mercados de dívida e controlar o aumento de nossos custos de financiamento. Além disso, os fluxos de investimento estrangeiro estão indo na direção contrária após uma enorme fuga de capitais e caída das remessas.
Definitivamente, a situação dos países de renda média é duplamente complicada. A contração econômica esperada é de magnitudes similares à do mundo desenvolvido, mas não existe a mesma capacidade de financiar uma resposta à altura das circunstâncias.
O Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e os bancos de desenvolvimento regionais, comprometeram recursos para tratar de reduzir estas brechas de financiamento. No entanto, tudo aponta a que possuem uma soma insuficiente para o que se avizinha. O G20 pediu medidas extraordinárias (como a moratória no pagamento de juros), mas estas foram dirigidas somente aos países mais pobres, o que, no entanto, é louvável exclui -como já dizia em um artigo que publiquei no mês de março nestas páginas- os países de “renda média”, que representam um terço do produto bruto do planeta, 75% da população mundial e 62% de seus pobres.
Faço, por isso, um urgente chamado para que os países de renda média coordenem esforços para trabalhar juntos e avançar propostas em dois âmbitos essenciais.
Em primeiro lugar, dotar de mais recursos o Fundo Monetário Internacional e os bancos de desenvolvimento para que possam prover um financiamento suficiente, tanto de curto como de longo prazo, por meio de linhas de crédito inovadoras, flexíveis e rápidas e com propostas para o manejo da dívida e sua sustentabilidade.
Este financiamento deve permitir-nos proteger a população vulnerável da pobreza e da fome, salvaguardar o tecido empresarial e o emprego, fortalecer os sistemas de saúde e a educação, e evitar retrocessos na equidade de gênero. Também deve ajudar a realizar os investimentos necessários para retomar um crescimento sustentável e inclusivo, capaz de aproveitar as enormes oportunidades oferecidas pela sociedade do conhecimento, da inovação, da sustentabilidade e das novas tecnologias.
Em segundo lugar, abrir um espaço de reflexão com os mercados financeiros e os organismos internacionais sobre a necessidade de incorrer em maiores déficits fiscais e taxas de endividamento para salvaguardar nossa solvência a longo prazo. Conseguir clareza sobre os critérios, indicadores e a temporalidade desta “nova normalidade” seria um passo importante para navegar na incerteza que nos rodeia.
O mundo não pode se dar ao luxo de deixar de lado os nossos países e arriscar uma espiral de contração que prejudique um terço da economia mundial e gere uma crise humanitária que afete mais de 5.000 milhões de pessoas.
Se o multilateralismo é um instrumento da paz e um facilitador da justiça, este é talvez o momento mais crítico que houve desde sua criação na pós guerra. O tempo compele e devemos atuar já. Carregamos sobre nossos ombros o peso da história.
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