Coluna originalmente escrita para o jornal El País, Planeta Futuro, 02/08/18
John Freddy Arévalo Bboy Donatello cresceu na Cidade Bolívar, um dos bairros mais difíceis de Bogotá. Dos nove jovens com os quais aprendeu a dançar break, hoje só ele está vivo. Os demais caíram vítimas da violência ou da adição. “Aprendi no parche, na rua, o baile foi meu projeto de vida e foi o que me ajudou a sair adiante”, nos contou quando o conhecemos na XXV Cúpula Ibero-americana de Cartagena de Índias, a primeira vez que um grupo de bailarinos de hip hop se apresentou perante um grupo de chefes de Estado e de Governo.
A história de Donatello é uma mostra eloquente do poder da cultura para transformar a vida das pessoas, mas também para melhorar a convivência nas comunidades. Ou seja, para mudar as relações entre as pessoas e com o meio ambiente. A cultura está na base de nossa possibilidade de impulsionar um projeto comum de futuro, por isso deve ser um eixo transversal dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030.
Basta pensar um momento. Será possível erradicar a pobreza (ODS 1) sem combater os preconceitos que alimentam o sexismo, o racismo, a xenofobia e as demais formas de discriminação e exclusão social? Será possível promover uma produção e um consumo responsáveis (ODS 12) sem modificar nossos padrões de comportamento, em grande medida aprendidos socialmente? Será possível conseguir a igualdade de gênero (ODS 5) sem uma massiva transformação cultural? Sabemos que não.
Por isso, os países da Ibero-América foram pioneitos em defender a cultura como uma dimensão do desenvolvimento sustentável. Não é casualidade que a área onde existem mais programas de cooperação ibero-americana seja precisamente a cultura, com alguns tão emblemáticos como Ibermedia.
Mais além do valor econômico que aportam as indústrias culturais e criativas, a cultura é também um veículo para a inclusão social
21 países participam neste programa de apoio ao cine ibero-americano, que em seus 20 anos de existência foi um ator fundamental na criação de uma verdadeira indústria cinematográfica em nossa região, que nos permitiu contar nossas histórias, com nossa própria voz, através de centenas de filmes que mereceram um crescente prestígio internacional.
Mais além do valor econômico que aportam as indústrias culturais e criativas (e que excede 5% do PIB ibero-americano), a cultura é também um veículo para a inclusão social, para estender pontes entre os distintos grupos da sociedade e gerar a confiança necessária para colaborar na diversidade. Se queremos promover mudanças profundas –e disso se trata a Agenda 2030– então temos que apostar pela cultura, porque apostar pela cultura é apostar pela convivência cidadã.
A cultura é, pois, um meio para alcançar resultados, mas é também um direito e um fim em si mesmo, parte imprescindível da experiência humana e da dignidade de toda pessoa. Hoje entendemos que o desenvolvimento é algo muito mais complexo que a mera expansão das condições materiais de uma sociedade. O desenvolvimento trata de expandir as opções de vida. Trata-se de ampliar a margem de ação e o universo de significado. Trata-se de permitir uma existência que transcenda a mera sobrevivência e nos faculte a ser aqueles que somos, em exercício da liberdade.
A cultura salvou a vida de Donatello e lhe deu uma linguagem para se expressar e dialogar com o resto da sociedade. O desafio que lança a Agenda 2030 de “não deixar ninguém para trás” implica esse diálogo vital, em sociedades que, como as nossas, não são homogêneas e monolíticas, senão diversas e multiculturais. Não necessitamos inclusão porque somos idênticos, senão precisamente porque somos distintos. Porque, como reza a campanha da cooperação ibero-americana, somos Diferentemente iguais.
Os ODS apresentam-nos a oportunidade de reconhecer o valor que encerra a nossa diversidade cultural e potenciar sua contribuição ao desenvolvimento humano. É uma missão que a Ibero-América está disposta a assumir.
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