América Latina está mais forte frente às crises

A região mostra forças que não possuía durante a depressão dos anos oitenta

TRIBUNA

Rebeca Grynspan

Secretária-Geral Ibero-Americana

Coluna originalmente escrita para o jornal El País, 20/02/16

A América Latina entrou num período de desaceleração económica. No entanto, a conjuntura reclama responsabilidade na análise e mesura na reação. É necessário ter em conta pelo menos quatro circunstâncias: primeira, a América Latina é diversa e nem todos os países enfrentam as mesmas condições. Segunda, a região está melhor preparada para encarar os desafios. Terceira, a política é tão importante quanto as variáveis económicas. Quarta, a economia latino-americana interage com um complexo contexto global.

A América Latina é diversa. Embora a região tenha sofrido, em média, uma contração econômica em 2015, essa contração foi determinada pelas taxas de crescimento negativas do Brasil e da Venezuela. Os demais países registraram um crescimento positivo e relativamente aceitável no atual quadro global. 16 países cresceram mais de 2%. Oito países cresceram mais de 3%, chegando a ultrapassar a média global. As projeções para 2016 conduzem a um panorama similar.

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Embora os baixos preços das matérias-primas e o exíguo dinamismo do comércio externo obriguem a manter projeções modestas, não se espera que a região entre numa crise generalizada, mas que encontre um novo

equilíbrio. Afirmar que a economia latino-americana cai a pique não é só impreciso, é em si mesmo arriscado dado o seu efeito no comportamento dos agentes econômicos. A região exige a manutenção da confiança e a continuidade das reformas que permitam diversificar a economia e dar um salto de produtividade – a agenda microeconômica que, devemos reconhecer, ficou para trás nos anos de bonança-.

A América Latina é diferente da do passado. A região demonstra agora forças que não tinha durante a crise dos anos oitenta. Com poucas exceções, os países têm mais instrumentos disponíveis, entenderam a importância da estabilidade macroeconômica, apresentam níveis de endividamento público muito mais baixos e as instituições financeiras e monetárias estão fazendo o seu trabalho.

Além disso, pela primeira vez há menos pessoas abaixo da linha de pobreza do que na classe média. Uma população mais saudável e mais educada é um ativo indispensável para o futuro, ao mesmo tempo em que exerce pressões em termos de expectativas crescentes. Como atendê-la com taxas de crescimento medíocres?

Uma população mais saudável e mais educada é um ativo indispensável para o futuro, ao mesmo tempo em que exerce pressões em termos de expectativas crescentes.

A política é importante. Os governos latino-americanos se deparam com um desafio triplo: preservar os benefícios sociais protegendo os setores mais vulneráveis, responder às aspirações dos novos setores médios melhorando a qualidade dos serviços públicos e elevar a competitividade da economia apostando na inovação, por mais investimento em ciência e tecnologia, por uma agenda digital que permita entrar decididamente na sociedade do conhecimento e por uma gestão pública muito mais eficiente e transparente.

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Conseguir isto com menos espaço fiscal exige mais diálogo com o setor privado e com a sociedade civil. A América Latina precisa duplicar os seus níveis de investimento em infraestruturas e logística para ultrapassar o atraso que apresenta com relação à Ásia. Para isso, é

essencial renovar as alianças público-privadas, recuperando a confiança do setor privado e da sociedade na capacidade estratégica e no comportamento ético do Estado. Não se trata só de um desafio de gestão econômica mas também de gestão política para responder oportunamente a uma cidadania mais exigente e a um ambiente mais competitivo.

Um contexto mundial adverso. Os esforços podem, no entanto, se desvanecerem num contexto internacional determinado pela excessiva incerteza, alta volatilidade, saída de capitais e endurecimento das condições de financiamento externo. Nenhum país é suficientemente resistente para suportar mais uma década de economia mundial entorpecida.

Faltam ações decisivas para aprofundar a integração regional e expandir os mercados, mas também é urgente empreender uma discussão em torno da governança mundial e das estruturas que regulam o comércio, a transferência de tecnologia, o sistema financeiro internacional, o fluxo de capitais e a cooperação externa. Uma discussão que coloque a mudança do clima e o desenvolvimento sustentável no centro da agenda, e que permita encontrar os motores de crescimento estável e dinâmico para o futuro.

A América Latina enfrenta desafios consideráveis, mas não os enfrenta sozinha. A sorte da região irá depender tanto da sabedoria dos seus governos, quanto da capacidade da comunidade internacional para acordar um rumo que nos leve, em conjunto, a bom porto.

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